Fadiagem (em obras)

Fado, Sexo I Vacalhau - Trabalhadores do Comércio com um tema de Ian Dury

Samstag, 7. November 2009

Pirataria musical cibernética

Sem bem saber como começar, tomo uma arfada de ar com cheiro a chanfana que aqueço no forno do fogão eléctrico, saudoso da chanfana que a minha mãe assava no forno a lenha da vizinha e deixo que a música do grupo “Modas à margem do tempo” me arrepanhe saudades. Não sou grande homem de vinhos, mas este copo de Dão tinto está a cair às mil maravilhas.
Eu, emigrante, que antigamente troçava destes... eu, agora, como eles a querer estar na minha terra natal e não o podendo fazer (de momento) ouço música portuguesa e bebo tinto. (Continuo um aferrado apologista da afirmação de António Cairu “ser português é a arte de comer sardinha assada e saltar à cachopa numa noite de Santo António”.
Noites de Santo António... de S. João... do S. Pedro... Tanta liturgia a fazer de mim um pagão ainda maior... As fogueiras, as marchas, o bailarico... depois veio o Rock... vieram as discotecas... veio o esnobismo e a cultura foi-se sumindo... citando o genial mafarrico José Mário Branco “como o rio de S. Pedro de Moel que se some na areia em plena praia, ali a dois passos do mar sem que se possa dizer: Pôrra, finalmente o rio desaguou”.
-Uma lágrima teima em me salgar os olhos sem se importunar com o dito: homem chorão ou é corno ou é ladrão.-
Tenho centenas de discos compactos em casa, para cima de mil... certamente... e sempre que posso busco novos “velhos”... Guardadas como relíquias que um dia por certo o tempo destruirá tenho algumas cassetes, lembram-se? Aquelas caixinhas com fita magnética mais acessível que o disco de vinil? E por teimosia, ou talvez por conservatismo doentio, guardei um aparelho que me permite ouvi-las...
Já digitalizei uma ou outra música, tão bem como a minha tecnologia o permite... mas “big brother is watching me” e eu tenho sempre um certo receio de colocar à disposição o que, no fundo, todos dizem ser “popular”. É certo que os intérpretes precisam de ganhar dinheiro, de vender os seus produtos, mas e se eles não se encontram à venda?...
Hoje em dia diz-se que a pirataria cibernética arruina a indústria musical. Dieter Bohlen, um dos componentes dos “Modern Talking” que nos anos 80 fez furor (ainda que não sendo do meu gosto tenho que lhes reconhecer a fama) afirmou: “No meu tempo a juventude tambem sacava da rádio tudo o que podia sacar...” Por isso ele continua a ganhar dinheiro com a música sem se preocupar com a venda dos discos compactos, mas sim com os concertos ao vivo! E ele tem razão!!! A juventude de hoje troca a música por todo o lado. O telefone portátil tem os últimos “hits”, a câmara fotográfica possui uma colectânea de “best of” privada, e até a máquina calculadora, que no meu tempo era proibida usar na escola e agora nalgumas é exigida, contém o vídeo último dos “quem quer que seja"! Extraordinário!
Interessante é que toda esta “pirataria” incendeia um desejo incontrolável de ver os artistas ao vivo!!! E só quem não se atreve a enfrentar essa massa sedenta de espectáculo por não ter qualidade para isso, fica pelo caminho e lamenta-se...
Por isso, pessoal! Pague-se para se ver! Mas defendam a partlhação livre de ficheiros musicais!

Montag, 26. Oktober 2009

Tropeço

Por descuido.
Um olhar na esquina que as rugas dobram
E o passo desajeitado de quem abandona o tasco.

-Fui marinheiro!
Sem barco nem ousadia.
As minhas descobertas estão pregadas
Em tábuas de faquir.

Presto atenção.

Quando me abandono
Sinto a sombra que me segue,
Que me persegue,
Que me encurrala.

Deixei de querer saber de mim.
Mas continuo a perguntar-me
Por onde andas tu...

Se ao menos pudesse amar-te de novo...
... e morrer, sem remorsos, de não te ter vivido.

Donnerstag, 23. Juli 2009

Já que não vieste

Hoje não vieste;
Também não sei se te esperava.
O crepúsculo das águas a refulgirem-me nos olhos;
Sempre este maldito rio a banhar-me a alma.
Um dia afogá-lo-ei nas minhas incertezas,
Apertar-lhe-ei as barragens.
Uma gaivota perdida
Acenou-me da ponte de Santa Clara;
As aves andam como eu,
A fugir dos exílios na sua própria terra.
E tu não vieste.
As horas ferradas na amurada
Foram inútil tropel.
Sempre este maldito rio e esta amurada alta.
Alguem me acenou dum cartaz;
Alguem que quer exilar as aves.
Jamais lhe falarei da gaivota perdida.

Ganhei coragem e saltei.
Juntei-me ao rio e fui com ele.
Já que tu não vieste,
Liberdade,
Irei eu atrás de ti.

Mittwoch, 22. Juli 2009

Tibet na Suiça




Há locais que, apesar de não terem nada a ver com as recordações que despoletam, nos ficam na memória como lugares inesquecíveis...
Aqui o Restaurante Tibet nos Alpes-Suiça.

Dienstag, 21. Juli 2009

São corvos, minha senhora

Necrófilos,
Insaciáveis,
Inteligentes;
Aprendem até a falar.

Havia-os por cá,
Agora, não sei se os há.

Sentado ao sol de Julho,
À porta do Santa Cruz,
Recordava eu estas aves
Quando uma senhora ao lado
Vendo comitiva aperaltada
A entrar para o Município,
Pergunta com voz de afecto:
Ai, mas que bichos são aqueles?
E eu no meu pensar,
Disse (aliás sem pensar):
-São corvos, minha senhora.

Lápis de côr- Prisioneiro de tasco

Sonntag, 19. Juli 2009

Poemas de tasco e moinhos de vento

A.

D. Quixote perdeu a guerra
Contra os moinhos de vento;
E estes perderam, pedra a pedra,
A sua guerra contra o tempo.

Mas, diz Daniel Abrunheiro,
Criaram-se máquinas maravilhosas,
Superiores a qualquer cavaleiro,
E, entre elas, torres poderosas.

Não de Babel, mas as sim eólicas
Que fazem erguer lanças e panças,
Quer de multis, quer ecológicas,
Cada qual rédea das nossas esp´ranças.

E bem ao lado destes mamutes,
Progressistas dragões de asas largas,
Fazem, sem que alguem o permuta,
Centrais nucleares suas descargas.

Se deixaram explodir Tschernobil
Dizendo não ter sido prejudicial,
Peço, sem pretender ser ignóbil,
Deixem tambem as torres do mal

Rodarem nos rodízios do tempo;
Sempre quero ver daqui a anos
Se esses ruins moinhos de vento
Também causam mortais danos.

B.

Nas obras que já obrei,
(No sentido lato do verbo)
Há uma parte de mim,
Como se cada palavra fosse
Um pingo de sangue
Ou mesmo um elo genético
Que eu perco ou transmito.
Por isso, às vezes, penso
Que não morro,
Apenas me empalavro...

Era bom se assim fosse.

C.

Sou poeta de murais;
Não há espaço de cal
Onde não escreva um verso,
Daqueles invisíveis,
Dos versos das entrelinhas.

E agora dizes tu
Que tal coisa nunca viste.

É preciso ler nas entrelinhas.

D.

Sou um leitor fanático
Do Quino sem palavras;
Ele escreve num traço
Encíclicas e bulas,
Ensaios e constituições...

É perigoso seguir,
Desde o princípio ao fim,
Um risco do Quino.

E.

Homer Simpson é a reencarnação de Cristo:
Isto é bom, é bom.
Isto é mau, é bom.

Eu sei!,
Homer é uma figura fictícia.

F.

Ao fim da Cumeada,
Ali, onde a curva dos carris
-linha 3, Santo António-
Era quase um ângulo recto.
Ali, no princípio da rua
Que levou poetas e outros
Ao penedo da Saudade,
Numa rua que Abril marcou,
Um slogan;
Um apelo ou uma ordem.
No entanto,
Um desafio à moral.
-Ou apenas mera obscenidade.-
"Vota nos colhões do Zorro"

>Lamentavelmente nos boletins de voto
não constava esta possibilidade<

G.

Eu não sei de palavras difíceis,
De filosofias profundas,
Dekantadas ou descartadas.
Não.
Eu sei
Falar à ou de boca cheia
E ponho os cotovelos na mesa.
E digo que o Benfica é uma merda
Porque calha;
Podia muito bem ser o Liverpool ou o Real.

Eu não sou poeta de tertúlias,
-Nem sei bem o que isso é-.
Sou apenas mais um
Que aprendeu o "aeiou";
As consoantes são mais difíceis...
Nem sei se as aprendi todas
No silêncio a que fui
Frequentemente obrigado.

Clepsidra

A Clepsidra foi um local de copos e fraternização onde se cantaram muitas cantigas.
Como estas

Samstag, 18. Juli 2009

Atelier 1



No espaço,
Entre água colorida
E um golo de cerveja,
A memória;
Sempre difusa,
Sempre deturpando formas e conteúdos.

O riso das crianças lá fora;
A música, diversa, variada,
Cá dentro.
Uma pincelada insegura
A sulcar bifurcações.

Todos sabemos tanto...
E eu só
Sem saber (de) nada.

No postal que te mandei,
Aquele a falar de mim,
De mim nada te disse.

Chamo atelier ao canto
Onde me esqueço em memórias,
(As tais difusas)
E fico triste por me enviares fotografias
Que mostram o erro das minhas recordações.

Freitag, 17. Juli 2009

Vou-me deitar

Vou-me deitar ao vento,
À sombra das capas dum livro
E pousar os olhos cansados no regaço do regato.

Recordar
A vertiginosa névoa matinal
Que a noite assombrou
Sobre o corpo mondeguino.

Às vezes tenho destas coisas,
De cordeiro fatigado com as cabriolices do dia,
E bucolizo por instantes o meu ser.

Penso,
(que às vezes também me dá para isso),
Ser o sol uma mentira,
Uma história já velhinha que trago desde criança
No rosto desmazelado.

E rio.
E sinto um raio de luz
A convencer-me que o sol
Não é mentira nenhuma

Donnerstag, 16. Juli 2009

Tempo dos grilos


Descíamos o S. Salvador que culminava no Bairro do Prior Lima. Depois seguíamos por um carreiro entre silvados e loureiros até chegarmos ao "fundo da Avenida". Espalhavamo-nos no terreno, cada qual armado de "palheta!, regra geral o caule longo e flexível de aveia selvagem. Ouvido atento. Debruçados.
Logo que descobríamos uma toca, está de esgravatar com a palheta até obrigar o habitante a sair para a rua.
Havia sempre cuidados a ter: toca sem vestígios fecais ou estava vazia ou fôra já usurpada por outro bicho perigoso; grilos de três rabos eram fêmeas e portanto, mordiam; não se deviam apanhar. Estas leis nunca as comprovei. Eram leis passadas de geração em geração e o ti Américo, especialista de grilos, dedicado ao comércio destes, confirmava-as.
O ti Américo, já com mais de cinquenta anos, comprava-nos os grilos quando estes possuiam asas abundantemente douradas e não tinham danos. Grilos, dizia ele, são bastante agressivos uns para com os outros e infligem-se grandes ferimentos quando frente a frente. Por isso, não era raro encontrar-se um grilo ao qual faltava uma perna ou parte dela.
Das histórias do ti Américo nunca duvidei.
Quem pagava de cinco a dez tostões por um grilo bem havia de perceber de grilos melhor do que ninguem.(Naquele tempo, se bem me lembro, um maço de cigarros Kentucky custava onze tostões, continha doze cigarros.
Fica aqui a recordação do prado onde íamos aos grilos.

Freitag, 10. Juli 2009

Fado em extinção

Ouvi uns caramelos "Fado em si bemol" a interpretar "Coimbra é uma lição" em ritmo bossa... (bosta, direi) fazendo depois uma passagem para Cabo Verde com a palavra Saudade. Enfim... Assassinem o que quiserem, mas respeitem os idosos. Se fosse um brasileiro, aceitaria a fusão, mas dum português espero que, já que ele faz uma versão nova, que seja esta pelo menos progressiva, inovativa.
Não é nada do outro mundo querer fusionar o fado, muita gente já o fez... acho apenas que quem possui criatividade para se meter nessas aventuras fá-lo com originalidade e não apoiado em muletas.
Depois, claro, playback nos dias em que DIRECTO se escreve com enormes letras grandes acaba por dar cabo de mim.
Exemplos de inovação e criatividade na nossa música têmo-los por exemplo em Rao Kyao, Júlio Pereira, Trovante, enfim... isto para não ir muito atrás no tempo rebuscar Aqui d´el Rei, Ananga Ranga, Sheiks, Quarteto 1111, Banda do Casaco. Até o Mário Mata com "Não mata mas mói" apresenta já um trabalho de valor considerável, com cabriolices nos arranjos e nos jogos de palavras.
Continuo a preferir o fado tradicional, sem no entanto descorar as novas vozes do fado. Há-as e extraordinárias.
Registo, no entanto, o grupo "Fado em si bemol", quem sabe, esta música não é representativa!

Donnerstag, 9. Juli 2009

Amor, anda

Amor, anda
Desfolhar as árvores
E aplainar ondas.

Amor, anda
Repenicar espinhos
E soprar estrelas.

Anda, Amor,
Não me deixes envelhecer,
Não me deixes morder o pó que levantas
Quando corro atrás de ti.

Olha, Amor
Se vieres irei contigo,
Como outrora,
Pelos becos de Coimbra.
Tomar-te-ei os lábios
De encontro à Casa da Nau.

Anda, Amor,
Por ti serei realista.
Por ti, atirarei fora a bengala,
Endireitarei os costados,
Aplainarei as rugas,
Quer do corpo quer da alma.

Olha, Amor,
Se vieres irei contigo
Acender luares no Mondego,
Tomar-te da Estrela à Foz.

Anda, Amor,
Reaguçar arames farpados
Que se revolteiem no estômago.

Tira-me deste Penedo da Saudade,
Deste fado que não canto.

Vês ao longe aquela estrela?
Nunca soubemos qual era...
E fomos donos do desconhecido.

Amor, se não vieres hoje
Amanhã não estarei por cá,
Mas sim do outro lado,
Dentro da Quinta das Lágrimas...

"Estavas, linda Inês, posta em sossego..."

Mittwoch, 8. Juli 2009

Emigrante

Emigrante sem economia,
Sem sindicato nem contracto;
Sem outra bolsa
Que não um Livro em Branco.

Desço Reeperbahn à noite,
Rua Direita mais longa e mais brilhante.

Algures, no mistério das memórias
Que se mesclam nos néons da realidade
Há-de existir uma Democrática,
Um Museu, uma Diligência;
Enfim, uma Clepsidra.

Emigro de bar em bar,
Busco o meu fado num copo
Cujo fundo espelha a alma.

Tacteio as horas tão sózinhas...

Emigrante.
Hamburgo que me acolheu
Sem me perguntar o nome,
Vinga-se agora de mim
Por nele procurar Coimbra.

Ao reconhecer o meu erro,
Deixo de ser emigrante.
Faço-me lanterna de rua,
Banco de jardim,
Partícula carbónica cuspida
Por um navio no cais
E sou Hamburgo por inteiro.

Atraco então no bar
Que as trevas quase não deixam ver
E dou com um grupo punk
Na clandestinidade do tempo
Arrepiando guitarras e maltratando a bateria;
O vocalista berrando:
"A morte saíu à rua num dia assim..."

"A vida, amigo," pensei, "a vida..."
E voltei a ser emigrante.

Música: Álbum "Utopia" Janita Salomé e Vitorino em homenagem ao grande Zeca.
Livro: "Histórias do senhor Keuner" de Bertolt Brecht. (Caso haja uma edição portuguesa). Alternativa: "Criação do Mundo" do Miguel Torga

Dienstag, 7. Juli 2009

Um copo

Bebo com gosto um traçado e saboreio a minha bifana. Aos anos que não entrava no Mija-cão...
Aguardo as minhas moelas. Como saberão elas? Se o fizerem como a bifana, então não perderam nada do seu sabor. Ou será que o afastamento dos últimos anos me deturpou o sabor e eu apenas me convenço de que tudo me sabe como dantes?...

Os teus lábios, amor,
Que o piri-piri abrasou
Continuam com sal de Aveiro.
Tens odores a moliço.

Eu trago na roupa
O odor do pólen dos milheirais,
O forte cheiro da barba de milho;
Por isso entendo o teu aroma.

Ana Paula, ah, Ana Paula...
Como me sabes à bifana
Suculenta e apetitosa,
Como me sabes a moelas!

Como me sabes a vinho
E a cantigas que as sombras cantam!
Como me sabes a Clepsidra
E me soas a João Queirós.

Como te amo, Ana Paula, como te amo!
E isto apenas após um copo.
Estivera eu ébrio, amor...
Estivera eu ébrio!...

O escrever de versos por imposição fisionómica, quase um impulso mictório, uma incontinência patológica, dá-me palmadinhas nas nádegas para depois lá cravar a agulha anti-tétano, um procedimento hospitalar doloroso que apresenta vestígios na raia do sado-maso.
E quando as moelas vieram, ergui o copo, honrei Coimbra, exaltei o Mija-cão e amei, Camoniano, a Ana Paula (profundamente à Barbosa, aquele du Bocage).
Pedi mais um copo com toda a minha sede de memórias e amores.


Disco: Pedra Filosofal do Freire (destaque para Dulcineia)
Livro: Poesias eróticas do Bocage (Cuidado! O livro é hard core!!!)

Montag, 6. Juli 2009

Sou um rio

Sou um rio
Com salgueiros debruçados sobre mim,
Hastes a fustigarem-me o corpo.

Sou um rio
Com águas mansas e águas bravas.

Sou um rio
Com barragens energéticas.

Sou um rio
Onde a populaça se banha.

Sou um rio,
De margem a margem...

Se terei coragem de o ser
Da nascente até à foz?


Música:álbum Cornerstone dos Styx
Livro: Rio triste de Fernando Namora (não se admirem se este autor aparecer frequentemente como escolhido).

Sonntag, 5. Juli 2009

Vale da Azenha




Eu sou pior fotógrafo que pintor, por isso as imagens ficam um pouco àquem dos originais.
O Vale da Azenha.
Lá aprendi eu a nadar. Lá, com treze anos, conheci uma Cristina que me fez escrever versos, uma segunda, pois a primeira paixão, tinha eu dez anos, tambem se chamava Cristina. Aos dezassete, quem diria?, de novo uma Cristina me impeliu para a poesia. Na altura,porém -aos treze- já o Vale da Azenha ficara para trás... o nadar estava aprendido e, um pouco mais abaixo, o Recanto, profundo e desafiador chamara por nós, catraios quase tirados dos "Esteiros" de Soeiro ou d"os putos" de Tojal. Eu sempre fui do tipo de Constantino, do Redol...
Por simpatia duma vizinha, recebia frequentemente edições antigas do jornal "O Cuto" que se dedicava apenas a banda desenhada. Cisco Kid era uma das minhas personagens favoritas.
Um dia, arranquei sózinho até ao Vale da Azenha (Baldazenha na nossa linguagem); sentei-me a uma sombra e iniciei uma aventura literária. Eu, na pele de Coyote, cavalgava ao longo do Missouri quando os gritos de uma rapariga me atraíram. Esporas no meu fiel companheiro Relâmpago e célere cavalguei em direcção dos gritos...
Nesse dia quando cheguei a casa com o caderno dos deveres escrito até ao fim com a aventura de Joe, o Coyote, recebo a triste notícia que meu pai queimara tudo quanto era livro de aventuras, romance policial ou de amor, etc, etc, etc... até a minha colecção de antigos jornais d"O Cuto".
Chorei. Chorei todo o raciocínio e após isso, numa atitude de raiva, queimei as minhas próprias obras. Passei a odiar livros e quem os escrevia e sobretudo, a escola e o meu pai.
Nesse ano, no primeiro período, estava chumbado por faltas.
Mesmo em dias de inverno, em vez de ir para a escola, eu ia até "Baldazenha" sentava-me à beira da água e chorava. Chorava e ansiava que alguem viesse para me acolher e entender... Como disse Daniel Filipe na Invenção do Amor "...Um caso típico de inadaptação congénita... dedicado aos longos silêncios e aos choros sem razão..."

O silêncio que nos rói é o mesmo que nos leva a dizer asneiras quando o quebramos.

Livro: já foram três boas obras mencionadas.
Música: no momento em que brinquei com as aguarelas ouvi uma compilação feita por mim de músicas do grego Vangelis, (referência: Conquista do Paraíso, filme com Dépardieu).

Resposta do Jorge Miguel a Amigos e vícios por mail

Como acho que excedi os caracteres, e não sei muito bem como funciona,
uma vez que está em alemão, envio-te assim o comentário por mail,
podendo assim escolhers o que queres publicado, ok? já agora volta a
mandar aquilo que disseste para partilgarmos ficheiros pois eu acho
que apaguei isso, ok ?


-Vou aqui escrever, diria que na qualidade de teu amigo, mesmo que
seja aquele com quem os desatinos saem mais facilmente, talvez por
feitios demasiado parecidos. Tenho a lamentar, para já o passado, um
passado demasiado preso a alguns consumos, como tu bem sabes, mas que
não atribuo a culpa a ninguém, mas o que me faz realmente pensar que
somos demasiado atrasados é presisamente o tipo de acusações de que
este ou aquele amigo que me tenham desencaminhado, embora se calhar os
meus progenitores pensem o mesmo, mas talvez até sejam mais da opinião
de que eu é que sou o desemcaminhador, pelo menos a minha mãe defendia
muitas vezes essa teoria.
Sei que se calhar te estás a referir a gente de um estatuto social um
pouco mais elevado, mas em relação a esse tipo de acusação aqui na
República Autónoma do Tovim, têem caído por terra, visto que a maioria
das opiniões, referiam-se á minha pessoa como principal perigo e
desencaminhador cá do burgo, entre outros claro, sendo que os seus
filhos, maridos, irmãos,etc., nunca tinham culpa e apenas eram vitimas
"indefesas?", tipo virgens na feira da pornografia. Ora houve uma
radical mudança na sequência das coisas, eu fui morar para a Figueira
para parar visto estar farto desta vida e onde estive dois anos sem
consumos,situação que se mantém outros desencaminhadores deixaram-se
das merdas, mas quando se pensaria que tudo estava resolvido e que a
partir daí as drogas duras seriam irradicadas da nossa terra, foram
precisamente as vitimas do antigamente que se viriam a revelar,
roubando tudo em casa, fazendo curas atrás de curas, algumas delas em
boas clinicas, das quais vinham embora sem completar os tratamentos,
mas sob o juramento? de se afastarem das "coisas". Ora as pessoas que
atribuiam as culpas sempre aos mesmos ficaram sem uma argumentação que
não fosse a de assumir as culpas dos seus familiares, tanto nos
consumos como em alguns roubos entre outras coisas.
Como deves saber, também eu consumia tudo o que fizesse efeito, embora
achasse que como trabalhava, como nunca prejudiquei nimguém sem ser a
mim mesmo, entendia que não devia fazer as coisas "à xuxa calada",
claro que não andava própriamente a fazer publicidade, mas também não
tinha problemas de ser visto aqui ou acolá, pois não devia satisfações
a ninguém, sendo que as mesmas pessoas que eu punha afumar eram
aquelas que mais falavam nos tribunais da terra ou seja as lojas, os
cafés ou na peixeira, sabendo-se que as pessoas falam dos outros para
que não falem deles em primeiro. Mas posso agora dizer que a única
coisa que me fez parar (por enquanto, pois nos vicios não existem
casos encerrados, só com a morte), foi o estar farto duma vida sempre
igual todos os dias, começando a entender o que eu estava a perder,
pois aqulas idas ao CAT, ás clinicas, aos médicos, etc., só para que
as pessoas vejam e em certos casos para continuar a cair dinheiro,
raramente resultam, sem ser por uma vontade muito forte da pessoa em
causa e ás vezes as ajudas certas, sem fazer da pessoa um coitadinho,
todos estes factores e até uma mudança de ambiente é díficil. Mas o
que mais me custa ver, é que com a inúmera informação que é
disponibilizada, caso isso não chegasse podem ver nos parques de
estacionamento e não só, os resultados de vidas de consumo e até em
alguns casos na própria familia, sãio cada vez mais os putos que se
agarram aos vicios, sendo que o alccol é um dos principais causadores
de mortes, tanto nas estradas desse mundo, como na provocação de
paranóias e de desenvolver partes violentas das pessoas que só o
alcool consegue encontrar, mas que para as familias portuguesas, é
preferível que cheguem bebados todos os dias, que até é motivo de
gargalhadas entre as pessoas, do que fumarem "charros", porque no
entender de muitos, quem fuma "brocas" fica irremediávelmente agarrado
para todo sempre.
Nestas situações pode-se aplicar a máxima daquela canção ou seja: se
um probre se agarra, é um cabrão dum drogado ou de um bebedo de merda
que só serve para prejudicar os outros, mas se for um rico nas mesmas
condições, já é apenas mais uma vitima de um problema á escala global
que tira a alegria aos nossos pobres jovens e cujo tratamento deve ser
o mais aconchegante possível e com o apoio de todos e quanto ao alcool
é um problema social e silencioso que geralmente é provocado pelo
strees do dia a dia e até pela quase obrigação de estar presente em
todas as recepções por educação e nunca por gostar da bebida, enfim
Problemas.-

Samstag, 4. Juli 2009

Amigos e vícios

A mãe dum amigo meu atirou-me um dia à cara que nunca concordara com o facto de eu permitir aos meus amigos fumarem haxixe em minha casa. É certo que grande parte deles se tornou viciado, posteriormente, em drogas mais fortes, mas qual a minha culpa? Tê-los deixado fumar uma broca em minha casa uma ou duas vezes por semana?...
Quando eu fui, e ainda vou, a casa desse meu amigo, por amizade tambem com os seus pais, é-me sempre oferecido álcool para beber. Eu sei que é normal, aliás, faz parte dos protocois numa casa portuguesa oferecer um copo às visitas, mas não é isso um incentivo ao consumo maléfico?... Em Portugal, do ponto de vista socio-cultural, não! Tal como para mim, o fumar haxixe, dentro do meu círculo de amizades, era, desse mesmo ponto de vista, normalíssimo. Quem fumava, fumava; quem bebia, bebia!
Quando mais tarde eu vim para a Alemanha, frequentemente, nas minhas dolorosas horas de solidão e saudade desses mesmos amigos, dava comigo a beber mais do que a conta. Cheguei, inclusive, ao ponto de me ter tornado alcoólico, segundo a minha própria opinião.
Ter que aceitar a realidade do meu alcoolismo foi bem mais difícil de que o refreio deste.
Isto aqui não visa, de forma alguma, culpar quem quer que seja dos vícios proliferantes de toda e qualquer sociedade; ninguem é mais culpado do seu vício que ele próprio. Naturalmente existem muitos factores que contribuem para um vício, existem milhares de tratados, romances, diários, novelas, eu sei lá a quererem explicar um fenómeno de massas que apenas individualmente se pode explicar.
O ser humano é, por base, um indivíduo; querer generalizá-lo nas suas atitudes é procurar convencer uma pedra que é pau. A psicologia de massas é interessante, mas não basta, nem pode nunca, reflectir o indivíduo.
Os meus amigos podem ser criminosos, simples vadios, possuirem perturbações mentais, serem dependentes do que quer que sejam! Se são meus amigos, são-o por quaisquer qualidades superadoras das negativas, ou seja, eles têm que possuir algo de bom! É por esse prisma que eu os olho e não através de preocupações pater-maternalistas, sociais, políticas, religiosas ou outras quaisquer!
Bebo de momento uma cerveja barata, belga, Karlskrone, produzida segundo o “tratado de pureza” (Reinheitsgebot) alemão, ouço (por acaso em CD que adquiri na minha última estadia em Coimbra embora tivesse possuído, quando era mais puto, o disco -aquela grande coisa com música a que alguns chamam vinil e outros LP) do Jorge Palma “Qualquer coisa pará música”.
Para livro recomendo "O macaco nú" de Desmond Morris

Vivam os amigos!

Freitag, 3. Juli 2009

No final do baile com os Vikings

Quando o baile acabou ainda tínhamos o calor das moças agarrado ao corpo. A chuva que caía não nos intimidou. O caminho tinha que ser percorrido e das Vendas de Ceira até ao Tovim era uma boa caminhada. Mário João tinha um guarda-chuva, Jorge Maia tambem, eu e o Armando “Esgalhão” à falta disso recolhemo-nos, eu junto do Jorge e o Armando junto do Mário. Sob torrencial chuva, relâmpagos e trovões dignos de um Spielberg caminhámos rumo a casa. Excepto eu, todos se gabavam das moças com quem dançaram; até o Maia, por regra reservado, nessa noite se deixou levar pelo entusiasmo.
Quis a nossa sorte que a carrinha de material do agrupamento que tocara no bailarico passasse por nós à curva da Ferradura, pouco antes da Ponte da Portela, e um dos elementos me tenha reconhecido e nos desse boleia até à passagem de nível do Calhabé.
Encafuados ao colo uns dos outros mas felizes, (agradeço aqui ao Xico que se ocupava das luzes) pela boleia.
No Calhabé, para além da chuva, dos trovões e dos relâmpagos, soprava um vento diabólico.
O Esgalhão mandou o Mário abrir o guarda-chuva mas o Jorge disse-lhe para não o fazer pois a própria experiência já lhe ensinara que perante tal ventania não existia chapéu que resistisse.
Por insistência do Armando e talvez porque um pouco de álcool tambem fazia efeito, Mário João abriu o guarda-chuva e ficou literalmente apenas com o esqueleto deste na mão. O pano esvoaçou de imediato para dentro da fonte luminosa. Mário quis ir buscá-lo, mas nós convencêmo-lo a não o fazer.
E pronto: lá prosseguimos nós caminho sob a intempérie com o Esgalhão, contudo, a querer convencer o Maia a abrir o chapéu dele. Em vão, claro. Os impropérios do Armando soavam acima dos trovões; os lamentos do Mário eram abafados; Jorge escondera o guarda-chuva, um daqueles de encolher, debaixo do casaco; e eu olhava o céu, ouvia os trovões, admirava os relâmpagos e não conseguia deixar de sentir o corpo morno da moça como se ainda dançasse com ela House of Cards (part one) Time Rober e House of Cards (part two, como consta no álbum Time Rober dos Omega) interpretado fielmente pelos Vikings.
Cerca de vinte minutos a cheirar-lhe odores primaveris que nem verão nem outono lhe apagaram, e no fim o seu sussurro:
-Vai no próximo fim de semana à Boiça.
E eu fui.

P.B. (Post Blogum :)) A partir de hoje irei dar o título dum livro e dum disco em cada blogue. "Time Rober" dos Omega já foi mencionado como disco (leia-se se necessário CD) e o livro é "Aos meus amores" de Trindade Coelho.

Van Heerden, Rijki

Foi numa noite como outra qualquer das muitas em que na Clepsidra passei que conheci Rijki, de apelido Van Heerden, o qual eu decidi tratar pelo apelido porque a forma como ele o pronunciava me soava místico, interessante.

Heerden acabara o curso de arqueologia e encontrava-se num rail de férias pela Europa em busca de um local onde pudesse escavar qualquer vestígio que lhe permitisse escrever um trabalho de curso final. Eu pensei que ele precisasse duma tese para doutoramento ou coisa que o valha, mas ele afirmou não ser tese mas outra coisa qualquer que eu não soube entender. O seu português era nenhum e o meu holandês igual ao seu português. Com inglês e francês, e sobretudo com umas boas Super Bocks lá ficámos num paleio mais de diversão do que de científicos temas. Aliás, que raio poderia eu sobre arqueologia dizer? Os meus conhecimentos da existência de Conímbriga e da pressuposta Aeminium sob o Paço do Bispo (Museu Machado de Castro) não chegavam para sustentar qualquer conversa de teor arqueológico; no entanto, a minha paixão pelo teatro levou-me a aludir a “Comédia sobre as divisas da cidade de Coimbra” de Gil Vicente e no embalo acrescentar a história do bispo negro e santo graal.

Van Heerden levantou-se e foi até ao balcão, regressando pouco depois com mais duas cervejas.

-Essa história está muito mal contada. -disse ele oferecendo-me uma das garrafas.

-Eu sei... para mim, não se trata de confirmar a sua veracidade, mas sim, saber da existência de tal lenda...

-A lenda de dragões e leões que falam e salvam reinos tem que remontar a um tempo muito anterior ao nascimento de Cristo, portanto, o cálice nunca poderia ser o graal.

-Tens razão... excepto se o santo graal já existisse e Jesus o tivesse adquirido a algum comerciante ambulante e reparando que ele possuía poderes mágicos o tenha utilizado para o truque do vinho.

Van Heerden deixou as costas embaterem contra a parede e ficou imóvel, meditativo. Depois enrolou um cigarro.

Eu receei que ele começasse a pensar que o que eu lhe contava tivesse ponta de verdade e, maldoso, empolguei-me mais nas minha narrativa.

-O certo é que existiu um cálice, e desta feita, não é copo nenhum de pedras preciosas ornamentado, mas um vulgar recipiente de latão. Ninguem procurou fazer do objecto uma preciosidade. O que aliás, no caso de Jesus, só pode ser confirmado. O copo donde ele bebeu nunca poderá ter sido de ouro cravejado de jóias... ele tinha que ter uma aparência vulgar para não levantar quaisquer suspeitas.

-E esse cálice foi para Viseu?... -Ele enrolou um cigarro e ofereceu-mo. Eu aceitei acenando positivamente à sua pergunta.

Acendi o cigarro e por entre fumo comentei:

-De acordo com o padre Soeiro, o tal bispo negro terá ido com ele para a Cava de Viriato.

-E a Cava de Viriato tem a ver com os Lusitanos?...

-Ha quem diga que Viriato esteve lá, mas não há provas disso. Há quem afirme tambem que os romanos a fundaram, outros dizem terem sido os árabes... é assim, quando não se sabe a verdade...

Prosseguimos na beberagem sem muitas mais palavras. Van Heerden estava convencido que nesta história havia algo verdadeiro e no dia seguinte, apesar de ter dito querer ir comigo a Conímbriga, deixara uma notícia ao empregado da Clepsidra onde constava: “Desculpa, mas não posso resistir. Tenho que ir a Viseu.”

De lá recebi um postal dele. Endereçado a: (honras sejam feitas ao Carteiro Senhor Santos) Josee Faschaade Tovive do Meic 3000 Correbra; e duas semanas depois, um outro, desta feita, vindo de Jerusalem.

Depois disso nunca mais tive notícias...

Parque e escada para o Mondego


Carmencita Dolores (inédito)


Foi numa páscoa qualquer,
Apesar da juventude,
Eu fui homem e tu mulher.

O tempo que tudo apaga
Não apagou da memória
O Parque Manuel de Braga.

Retornaste à tua urbe
Algures junto a Madrid
E eu fiquei como pude...

Com dezassete, era Agosto,
E já caminhava no parque,
Solitário e triste rosto.

Quem inventou tais Dolores
Que de Espanha me vieram?
Diz o poeta: Os amores...

E então li poesia
E vi teu rosto, claro,
Como o vira no tal dia.

Um poema, um só poema
Chegou pra me dizer
Que a dor valia a pena.

Hoje não sei melhor amar,
Carmencita Dolores,
Mas sei a dor suportar.

E quando volto ao parque
Sinto o amor pelos cantos,
Sinto-o por toda a parte.

Tanto se ama e desama
E nunca se aprende tal arte.

Donnerstag, 2. Juli 2009

O Bispo Negro e o Santo Graal

Alexandre Herculano narrou a seu jeito a história do bispo negro que resumirei aqui para apresentar a personagem principal da minha narrativa.
D. Afonso Henriques colocara a sua mãe a ferros e o papa exigiu a libertação imediata desta ou o Rei seria excomungado. Ora, D. Afonso não era homem de se intimidar e não soltou D. Teresa. O bispo fechou a Sé e abandonou a cidade. D. Afonso disse para o seu espadeiro Lourenço Viegas:
“-Dei a Coimbra um Bispo que me excomunga, porque assim o quis o papa: dar-lhe-ei outro que me absolva, porque assim o quero eu.” (Assim o escreveu Herculano).
E com este intento reuniu ele na Sé todos os clérigos sem excepção e escolheu de entre eles um novo bispo: Dom Çoleima, um negro.
Não estava, pois, Dom Çoleima refeito de tal aventura quando nos pertences privados do bispo anterior encontrou um esplendoroso cálice. Ainda que o utensílio resplandecesse de luz dourada, Dom Çoleima viu bem que não era ouro, mas sim latão. Uma repentina suspeita assaltou-o e movido por força estranha dirigiu-se à biblioteca em busca de algo que o pudesse ajudar a esclarecer a proveniência do objecto. Entre alfarrábios litúrgicos e tratados em latim descobriu o novo bispo um manuscrito sobre a lenda de Mondericon e a proveniência do cálice em causa.
As suas suspeitas pareceram-lhe correctas e portanto tinha que proteger a sagrada preciosidade... mas como? Se escrevesse ao papa e lhe narrasse as suas suspeitas, talvez o Vaticano assumisse a responsabilidade. Contudo, se ele estivesse enganado, após o que recentemente se passara em que ele como bispo recitara missa perante D. Afonso Henriques, seria bem possível que o papa não estivesse disposto a mais um desaire... Ainda seria excomungado e atirado para o cárcere.
Sem mais pensar, guardou o cálice e com meia dúzia pertences, na protecção da noite abalou de burro para Coimbrões, nos arredores de Viseu. Lá exercia um pároco que conhecera aquando do seu seminário que decerto o auxiliaria a resolver a situação.
Dom Soeiro recebeu eufórico o seu velho amigo ainda que conhecendo a história de Coimbra não conseguisse ocultar o seu concernimento. Çoleima não esteve com rodeios e mostrou-lhe o cálice.
Soeiro baqueou. Foi como se a respiração lhe faltasse e o coração perdesse as estribeiras e se lançasse em tropel desenfuriado.
-Tu crês?...
-Sim, D. Soeiro, eu creio que este é o Santo Graal.
-Mas como é que ele te foi parar às mãos?...
Esclarecido o que se podia esclarecer, acabou Dom Soeiro por dizer:
-Quando não sei que decidir costumo ir até Viseu, a Coração de Jesus. Lá rezo e faço penitência. Se mesmo assim não encontro solução para o meu caso, subo à Cava do Viriato e por lá passeio... Nunca fiquei sem resposta.
-Pois é para lá que irei.
Esta foi a última vez que se ouviu falar do bispo negro. A sua desaparição, depressa abafada pelas partes clericais, caíu rápida no esquecimento.
Há quem acredite que algures, na Cava, se encontra escondido o Santo Graal. Há quem acredite tambem que Çolaima regressou a Jerusalem com ele...

As Armas de Coimbra


(Segundo eu e Gil Vicente)


No mais alto monte da região mais ocidental da Europa, habitava em solidão o secular dragão Mondericon que via chegar os seus últimos dias sem herdeiro. O seu corpo serpenteava serra abaixo até ao Atlântico.

Embora rodeado de cidades e aldeias, Mondericón não achava em nenhuma delas parceira que lhe agradasse para vir a ser a mãe dos seus filhos.

Daí Mondericón perguntar aos viajantes, quer vendedores quer ladrões, se sabiam de dama que fosse apropriada a tal fim.

Um dia soube duma formosa princesa que vivia noutro reino e mandou os seus servidores por ela. Como a estes nada mais fôra dito do que: trazei-a à minha presença, eles não estiveram com grandes protocolos e raptaram a princesa.

Com este procedimento não ficou Mondericon muito satisfeito, mas a beleza da moça logo o fez esquecer tal. No entanto, ela que tambem não estava satisfeita com o caso e no aspecto do dragão nada achara que a acalmasse, antes pelo contrário, exigiu que fosse de imediato posta em liberdade. Mondericon recusou, é claro.

O pai da rapariga ao saber da desgraça mandou proclamar por todos os quatro cantos do mundo que recompensaria abundantemente quem lhe trouxesse a filha de volta.

Cavaleiros, mercenários, camponeses e até monges dos mais variados tamanhos e feitios, carregando as armas mais diversas bem tentaram levar a cabo tal empresa mas em vão.

Quis o destino que um viajante, vindo de outro continente, contasse sobre o Rei de Todos os Animais que lá reinava. Um destemido e justo rei ao qual não havia ser vivo que fizesse frente.

O desesperado pai não esteve com meias medidas e mandou comitiva ao tal continente com um pedido de ajuda.

Assim veio de terras africanas um leão com o propósito de salvar a princesa das garras de Mondericon. Logo no primeiro embate entre os dois, viu o Rei Leão que em luta corpo a corpo lhe seria impossível suprimir tão poderoso adversário. Retirou-se e convocou os seus conselheiros, um dos quais fez relatos sobre um mágico cálice que permitia eliminar quem dele bebesse. Num ápice foi exigido tal utensílio, o que sem demoras foi executado.

O Leão, contudo, duvidando de tais artes mágicas, encheu o copo com um veneno fortíssimo que trouxera de sua terra.

Depois foi fazer chegar o cálice às mãos da princesa e convencê-la a dar a beberagem a Mondericon.

Afirmando ser um costume do seu país, contou a princesa ao dragão que ele só a poderia desposar convenientemente se bebesse primeiro do cálice familiar.

Embrulhado nas teias que o amor e, aliado a este, a vilania tece, ingeriu Mondericon o veneno e logo morreu.

O pai da princesa aliou o reino de Mondericon ao seu e no local onde o dragão perecera mandou erguer uma cidade cujas armas se compõe do cálice, da princesa, do dragão e do leão.

Para quem julgava ser a Rainha Santa Isabel que é representada nas divisas de Coimbra, que me perdoe, mas o milagre das rosas é posterior ao escudo coimbrão.


Há quem acredite ser tal cálice o famoso Graal e que se encontra guardado na Cova de Viriato. Mas isso já é outra história.

Aqui deixo tambem um esboço a lápis duma memória do Arco de Almedina.

Mittwoch, 1. Juli 2009

Saudades de Coimbra


Este blogue irá apenas conter imagens que pela minha memória passam e que eu, sem ser pintor, registo com lápis de cor ou aguarelas. E tambem um ou outro texto de minha autoria que em mim desponte e tenha a ver com Coimbra.

O meu objectivo não é reproduzir ruas, edifícios ou o que quer que seja fielmente mas sim apenas as imagens que as saudades em mim despertam.

Isto quer dizer que é possível encontrarem-se detalhes numa imagem que a realidade não contém...

A primeira imagem é do Tovim do Meio, Rua da Bica. Eu gostei tanto dela que após o original a lápis de cor, fiz um ensaio a aguarela. O resultado foi tão positivo que acabei por elaborar um terceiro trabalho desta feita a óleo sobre madeira. Ei-lo aqui.